16 de jul. de 2024
Crime Transnacional na Venezuela no Século XXI
Guilherme Crisóstomo

Fonte: AP Photo/Rodrigo Abd
Em função da rápida escalada em âmbito global das ações cometidas por organizações criminosas transnacionais (OCTs) no pós-Guerra Fria, que inaugurou uma fase de maior integração no cenário internacional, as Nações Unidas elaboraram em 2000 a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional (UNODC, 2010). O tratado compreende o crime transnacional organizado como, não só aquele que abrange mais de um estado, mas também o que é: planejado em um estado e cometido em outro, cometido por grupos que operam em mais de um estado, ou cometido em um estado impactando outro. (ONU, 2000).
As OCTs prosperam em cenários de instabilidade sociopolítica-econômica, capitalizando em estruturas estatais enfraquecidas, caracterizadas pela corrupção e incapacidade das instituições de segurança e justiça (Polga-Hecimovich, 2018). Podendo representar uma possível ameaça à existência de um Estado, o crime organizado atua de forma a enfraquecer a sua soberania e descredibilizar as autoridades, corroendo componentes necessários para a projeção de poder. (Picarelli, 2008). Não obstante, a aproximação das OCTs com figuras de alto escalão político em governos representa uma ameaça para as instituições democráticas e crescimento econômico (National Security Council, 2011).
No que concerne ao contexto sul-americano do crime organizado transnacional, viabilizado pela instabilidade do continente, a Venezuela apresenta-se como um polo do narcotráfico global, representando uma ponte de saída de drogas da América do Sul para outros países. (Camero, 2017). A desfavorabilidade econômica e política, acentuada pelas políticas introduzidas por Hugo Chávez e Nicolás Maduro, em conjunto com a corrupção intrínseca às instituições governamentais do pós-Revolução Bolivariana, tornaram a Venezuela um território propício para o desenvolvimento de OCTs, como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e o Exército de Libertação Nacional (ELN) (Ellis, 2018).
Concomitantemente, a partir da vitória de Hugo Chávez em 1998, o exército venezuelano passou a cada vez mais estar envolvido com a política e as iniciativas domésticas, gradualmente admitindo responsabilidades, e se apropriando de recursos, que eram essencialmente estatais. No contexto da crise econômica venezuelana, ressalta-se a recorrência de Maduro aos colectivos, que diante do cenário de insatisfação e revolta popular, ajudaram a controlar a oposição junto ao exército, em troca da não interferência do governo em suas atividades irregulares. Porém, ao decorrer da recessão, o governo se tornou incapaz de custear suas operações, achando no comércio de cocaína, em conjunto com grupos criminosos organizados, através de militares e membros do executivo, uma alternativa para garantir sua estabilidade e manutenção da soberania. (McCarthy-Jones e Turner, 2022). Esses indivíduos compõem a principal organização criminosa do país, o Cartel de los Soles, que abrange, em especial, membros dos ramos das forças militares do país: o exército, a marinha, a aeronáutica, e a Guarda Nacional Bolivariana (GNB). Aproveitando de um governo complacente, o exército e a GNB, em particular, estão altamente envolvidos no crime organizado e no comércio de cocaína, tecendo relações com outras OCTs, como a FARC e o ELN, no fornecimento de armas em troca de drogas (Polga-Hecimovich, 2018).
Portanto, entende-se por necessário investigar o relacionamento entre as instituições estatais de segurança venezuelanas e o crime organizado transnacional cometido no país, compreendendo sua origem, motivações, e configurações. A pergunta que orienta esta pesquisa é: como as forças armadas venezuelanas atuaram em prol do fortalecimento das organizações criminosas transnacionais no século XXI? Parte-se da hipótese de que a posição privilegiada dos militares no aparato estatal e as motivações econômicas da caserna acarretaram na intensificação das atividades ilícitas no território venezuelano.